Vinho e café, linhas paralelas mas muito próximas
O bom café, tal qual o vinho, começa no campo: a complexidade de aromas e sabores nas xícaras e taças aproximam as bebidas | Vinhos do Guia: Rótulos que conversam com estilos de cafés (ou vice-versa)
Por Marcel Miwa
Coffee and wine
It may sound crazy
But the thing of it is
That without 'em both
I'm getting either
Hazy or dumb
Coffee & Wine (Jinkx Monsoon)
Existem muitos paralelos entre os universos do café e do vinho. Embora à primeira vista sejam antagônicas, o café visto como bebida diurna e a segunda como noturna, no momento atual a complexidade de aromas e sabores nas xícaras e taças aproximam as duas bebidas.
Se você torceu o nariz para a premissa acima, seja por tomar um cafezinho à noite ou tomar um vinho durante o dia, tudo bem, estamos do mesmo lado e não pregarei para vocês, seres já convertidos.
Bem, começando do começo, o bom café, tal qual o vinho, começa no campo. A observação do perfil de solo, clima, exposição solar, combinada com a variedade de grão refletem no produto final. Os céticos diriam que a associação com o conceito de terroir é uma mera coincidência. Passei uma semana visitando fazendas cafeeiras na região da Serra Mantiqueira e nota-se mais um paralelo: um ano seco e com muito calor está resultando em condições complicadas para os grãos, cujas diferentes variedades estão amadurecendo antecipadamente (até 1 mês antes do normal) e todas ao mesmo tempo. Os talhões (parcelas de um cafezal) com maior equilíbrio estão nas zonas mais altas ou nas que contam com irrigação.
As ondas de calor também provocam amadurecimento inconsistente na mesma planta, o que significa grãos verdes, maduros ou sobremaduros no mesmo braço da planta. Ainda que o processamento permita a separação dos diferentes padrões, o que se deseja é a cereja madura em seu ponto ideal. Grãos verdes implicam em amargor e acidez, os sobremaduros aportam corpo e doçura, mas por vezes com o inconveniente de mofos e fermentações descontroladas (novamente, apenas "coincidência" com late harvest e appassimento nos vinhos).
Um pequeno parênteses para a constatação que a máquina mais desejada do momento das vinícolas de ponta do mundo todo é a seletora óptica de uvas, uma máquina criada na década de 1930 pensada inicialmente para a seleção dos grãos de café. Nesta máquina programa-se o padrão ideal do grão, de café ou uva, por sua cor ou tamanho, ao passar pela esteira a máquina faz a leitura do padrão de cada grão e os que estiverem fora (sejam verdes ou sobremaduros) são separados dos ideais (com um jato de ar comprimido, como pequenos tiros).

Os talhões colhidos separadamente são processados e seguindo as escolas moderninhas do café podem passar por fermentações, com leveduras inoculadas ou espontâneas, ou ainda for fermentações anaeróbicas, uma delas a tal da maceração carbônica (Beaujolais dando um alô!). Muitos campeões do concurso Cup of Excellence na década passada (uma referência no mundo do café, como um Robert Parker) passaram pela carbônica. Claro que no café, o interesse está na semente, porém a polpa (mucilagem) e a casca contém açúcares, ácidos e aromas, que são fixados na secagem da semente.
Uma vez secos, todos os potenciais aromas estarão no grão, que ainda podem se perder na torra. A grosso modo, o ponto da torra equivale ao uso da madeira (carvalho, quase na totalidade) no vinho. Uma torra exagerada encontra seu espelho em um vinho com excesso de madeira; perde-se a expressão da fruta/variedade do grão/lugar em favor dos aromas torrados do processo, o mesmo que os aromas das especiarias da madeira sobre a fruta no vinho. E o ciclo se fecha na extração do vinho, aqui uma questão de estilo. Na primeira e mais genérica camada falamos de cafés filtrados (coados) ou espresso. Gosta de malbecões, supertoscanos, cabs californianos? Provavelmente vai se identificar com um espresso, onde a máquina faz a extração do café moído sob uma pressão de 10 atmosferas, em média. Já se sua escola é a da pinot ou nebbiolo, o caminho é o dos cafés coados, com extração mais delicada, o que resulta em um corpo mais leve, aromático e fluído. Como no vinho, a qualidade do grão dita a qualidade final do produto. O método de produção ou a forma de extração dita o estilo da bebida apenas.
Vinhos do Guia: Rótulos que conversam com estilos de cafés (ou vice-versa)
Maceração carbônica
Domaine Antoine Lienhardt Gamayoptère 2020
Visual rubi claro com leve turbidez, sem afetar a integridade do vinho. A vinificação semi-carbônica permite boa expressnao da fruta, vermelha e ácida (morango e framboesa), com toque terroso e de pnao tosatdo. Na boca a acidez está no primeiro plano, com frutas frescas e tanino com toque verde no final (vinificação com cachos inteiros).
Sem madeira e leve
Um cabernet chileno simples e de boa tipicidade. O nariz frutado traz pimenta vermelha, fruta vermelha madura e ervas frescas. Na boca mostra uma leve sugestão de doçura, com taninos e frescor adequados.
Com madeira e concentrado
Penedo Borges Cepas Blend 2020
Um tinto para esquentar a taça, amadeirado, com a presença mais quente do álcool e com taninos finos. São características que casam bem com os seus aromas, que lembram alfajor, chocolate com doce de leite, cereja preta.
Dica do Guia: Livro
HISTÓRIA DO MUNDO EM 6 COPOS
Tom Standage
Editora Jorge Zahar
240 páginas
O jornalista inglês Tom Standage, editor de tecnologia da revista The Economist, demonstra que a bebida é uma necessidade vital não apenas para o indivíduo, mas também para as civilizações. Os seis copos anunciados no título – cerveja, vinho, destilados, café, chá e Coca-Cola – serviram de esteio econômico para impérios e ajudaram a moldar a cultura de sucessivas eras.
Indicado: para entender que não é apenas o vinho que é uma bebida importante para a civilização.
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